As marcas da exclusão - Por: Maíra Streit
- Categoria: Colunistas
- Publicado em Segunda, 14 Outubro 2013
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JOSEFINA SERRA
Advogada
"Sou de Cajapió, no interior do Maranhão. Minha mãe era quebradeira de coco-babaçu e meu pai trabalhava na roça. Fui afastada da família aos 5 anos, quando me levaram para uma fazenda para ajudar a lavar roupa, cuidar do gado e servir os vaqueiros. Era tratada como escrava. Com 6 anos, comecei a trabalhar em casa de família na capital, São Luís. E, a partir daí, fui sendo levada de um lugar para o outro, e morei também no Rio de Janeiro e em Brasília. Não tinha qualquer pagamento.A maioria das meninas negras é muito humilhada, muito abusada. Recebia roupas velhas. O sapato que ganhei uma vez era muito maior do que meu pé e me enchia de feridas. Não podia ver televisão, só que sempre dava um jeitinho de assistir escondida atrás da porta. O tempo foi indo e nada mudou. Eu lavava, passava, cozinhava, fazia faxina e cuidava de outras crianças, mas não podia subir com elas no mesmo elevador. Tinha que pegar o de serviço, sem entender direito o porquê.Insisti muito para poder estudar. E, na escola, não era fácil. Fui chamada de cabelo de Bombril, urubu, macaca, miserável. Era motivo de piada, e isso vai te marcando. Eu não falava nada, só ia guardando. As minhas colegas não me convidavam para brincar porque eu era empregada doméstica. Por ser negra e estudiosa, diziam que eu era metida. Na infância, não tive amigos. Aliás, não posso nem dizer que tive infância. À noite, ficava lendo sozinha no quarto escuro, à luz de vela, porque não podia nem gastar a luz.Fui assediada sexualmente por vários patrões, sofri ameaças, xingamentos. Segui nessa vida até a faculdade. Acordava muito cedo, vivia cansada. Dormia na sala de aula. Quando passei no vestibular, algumas pessoas fizeram vaquinha para pagar a matrícula. Eu me formei em Direito, sou advogada e atuo no movimento negro. Ainda me sinto muito fragilizada, insegura. Hoje, me pergunto como é que eu aguentei tudo isso. Na verdade, acho que a gente nunca consegue superar totalmente."
Relembre alguns casos:Julho/2013 – Dourados-MS
Um menino de 3 anos foi abandonado em um terreno baldio. Foi encontrado sujo, com fome e chorando muito. Depois de contar muitas versões contraditórias, a mãe admitiu à polícia ter sido um ato desesperado, pois estava de mudança para a capital para viver com um novo companheiro, e ele não aceitava ter em casa uma criança negra. O menino foi encaminhado para um abrigo, enquanto espera a decisão da Justiça sobre quem terá a nova guarda.Março/2013 – Recanto das Emas-DF
Uma menina de 12 anos foi agredida com socos, chutes e arranhões por quatro jovens. Ela teve a camiseta rasgada e ficou com hematomas e partes do corpo inchadas. A vítima contou que pegou o ônibus errado para ir à escola e entrou em um beco. Duas garotas a seguraram e outras duas bateram nela. Motivo: disseram que negros não podiam passar pelo lugar e que teriam de "pagar por isso".Janeiro/2013 – Rio de Janeiro-RJ
O filho adotivo do casal Ronald Munk e Priscilla Celeste foi expulso de uma concessionária da BMW na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. "Você não pode ficar aqui dentro. Não é lugar para você. Saia da loja! Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes", disse o vendedor, referindo-se ao menino negro, de 7 anos. Em nota, a empresa afirmou não saber que a criança estava acompanhada dos pais e que tudo não passou de um "mal-entendido".Janeiro/2012 – Goiânia-GO
Uma pastora evangélica foi denunciada pelo Ministério Público Federal de Goiás por escravizar uma criança indígena em Goiânia. Ficou constatado que a menina, de 11 anos, foi submetida à condição análoga à de escravo no período de maio de 2009 a novembro de 2010, quando era obrigada a realizar trabalhos domésticos. As investigações apontaram que a criança foi ameaçada com castigos corporais e submetida a longas horas de serviços diários.Janeiro/2011 – São Paulo-SP
Acusado de furto em um hipermercado de São Paulo, um menino de 10 anos foi levado por três seguranças a uma sala reservada, onde, segundo contou, foi chamado de "negrinho sujo e fedido". Ele diz ter sido ameaçado com um canivete e obrigado a tirar a roupa. Segundo o boletim de ocorrência registrado pela família, só após revistarem e insultarem a criança é que foi encontrada a nota fiscal dos produtos que ele levava: biscoitos, salgadinhos e um refrigerante.
Como denunciarEm casos de discriminação racial contra crianças, é possível buscar ajuda nos conselhos tutelares, nas ouvidorias dos serviços públicos e nas delegacias de proteção à infância e à adolescência, por exemplo. A prática do racismo é uma violação de direitos condenável em vários países e, no Brasil, é crime inafiançável, previsto em lei.* A identidade foi preservada em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.Fonte: Revista Fórum
Como uma pessoa se torna racista e que tipo de efeitos a criança vítima de discriminação carrega para a vida adulta? A reportagem que você lerá a seguir propõe uma reflexão sobre essas e outras perguntas
A pequena estudante*, de quatro anos, acordou alegre naquele dia. Estava orgulhosa por ter sido escolhida pela professora para ser a noivinha da festa junina da escola. Os cabelos crespos foram cuidadosamente arrumados pela mãe e enfeitados com um véu branco, que emoldurava um rosto expressivo e sorridente. Era para ser uma data especial na vida daquela criança. Porém, o encantamento durou pouco.
Durante a quadrilha, a avó do colega que fez par com a menina mostrou indignação ao ver que o neto dançaria com uma aluna negra. Dias depois, voltou à escola para tirar satisfações. Segundo consta no boletim de ocorrência registrado pela família da vítima, a senhora de 54 anos entrou aos berros, perguntando por que fizeram o neto, que é branco, dançar com aquela "preta feia, horrorosa".
A professora Denise Aragão lembra que tentou, em vão, conter a agressora, que continuava a gritar insultos racistas. As pessoas da sala ao lado vieram acompanhar o que estava acontecendo e a menina ficou em um canto, ouvindo tudo. Ela era a única negra em meio a uma turma de 14 crianças brancas. "Isso mexeu tanto comigo, foi uma chibatada. Tinha muita maldade naquelas palavras", conta a educadora.
Denise denunciou as ofensas à responsável pelo colégio, que tratou a situação com desdém. "A diretora disse que isso acontece sempre e, se fosse brigar com cada família preconceituosa, a escola já estaria fechada", afirma. Inconformada com a conivência de quem deveria ajudar a proteger os alunos, ela pediu demissão. Esperou dois dias para ver se os pais seriam comunicados e, quando viu que nada foi feito, resolveu ligar para a mãe da menina para contar tudo.
A massoterapeuta Fátima Souza disse que tinha mesmo estranhado o comportamento da filha. No dia em que foi humilhada na escola, a criança não conseguiu comer nem dormir direito e estava muito assustada. Depois disso, passou a vomitar com frequência, tinha crises de choro e pânico de ficar longe dos pais.
Mais de um ano após o episódio, as sequelas permanecem. Fátima conta que a filha faz acompanhamento psicológico uma vez por semana desde o fato, mas a recuperação do trauma é um processo lento. "Ela era muito independente, esperta, resolvia tudo sozinha. Hoje, chora por qualquer coisa, diz que é negra, feia e que eu não gosto dela. Isso causou um estrago na vida da minha filha. É muito doído", emociona-se.
Leia a matéria completa no link abaixo:
http://www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/21494-racismo-na-infancia-as-marcas-da-exclusao
http://www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/21494-racismo-na-infancia-as-marcas-da-exclusao
sua história de vida é muito bonita, vc é um exemplo para todos, eu quero ter mais contato com vc.
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